Tandick Resende (imagem do livro “Solo de Trombone”) e José Henrique Abobreira |
Por José Henrique Abobreira
Hoje essa prática saudável do exercício da democracia está praticamente desaparecendo. Nas campanhas eleitorais subsistem as caminhadas, no corpo a corpo com os eleitores, mas os comícios grandiosos estão sumindo.
Nunca fui um grande orador, mas, a depender do momento, da emoção que atinge a nossa alma em determinados momentos ou do local e do público para o qual falamos, confesso que algumas vezes me saí razoavelmente bem. E isso, essa habilidade retórica para divulgar uma proposta ou uma mensagem política, em muito devo ao Dr.Tandick Resende, meu professor de Língua Portuguesa no IME (Instituto Municipal de Educação). O mestre nos instigou em direção à leitura dos clássicos da literatura e peças da oratória, do tempo dos gregos e romanos e da contemporaneidade, afirmando que era o primeiro passo para dominarmos a redação e “o falar” da língua pátria.
Homem de uma inteligência fulgurante, dominava o latim como nenhum outro e era também um leitor e estudioso voraz. Meu pai me contava, admirado, que encontrava Tandick frequentemente estudando tomos jurídicos nos salões de leitura da Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro (nessa época o velho Abobreira cumpria um exílio “branco” no Rio, em razão das perseguições políticas aqui na terra mater).
Por falar em exílio e castigo político, Fabiano, filho de Tandick, meu amigo e ex-colega de Fredinho, meu filho mais velho, me relatou há poucos dias (com muita satisfação) que a Comissão Nacional da Verdade, em decisão recente, reconheceu a brutalidade do AI-5 que se abatera sobre o exercício da magistratura de seu pai, em 1969, afastando-o compulsoriamente por força do ato institucional ditatorial. A resolução ratifica a condição de anistiado político do Dr. Tandick Resende, ao tempo em que o Estado Brasileiro pede desculpas, formalmente, pelo ato arbitrário perpetrado contra a sua pessoa.
Depois de ter estudado o português com o Dr. Tandick, na década de 1970, os nossos contatos eram esporádicos e vieram a se amiudar nos anos 80, nas rodas de cafezinho e bate-papo informal no calçadão, muito em razão do momento político, a efervescência em que vivíamos pela expectativa da redemocratização do país.
Já em 1988 vem o melhor da história, o dia em que o aluno superou o professor e por ele foi elogiado. A Praça São João, no Pontal, havia sido reformada pela administração Jabes Ribeiro, que colocou novos equipamentos, anfiteatro e ajardinamento completo. A campanha pelo seu sucessor, o candidato João Lyrio, estava de vento em popa. Grande comício foi marcado no local.
Conforme citei no início, essa época propiciava a realização de grandes concentrações populares para ouvir os oradores na tribuna política, o que sempre considerei um grande exercício de democracia direta, a colocação do ideário do candidato ao exercício do cargo público e a reação imediata da população, com aplausos ou apupos, a depender do grau de aceitação ou não das propostas do postulante a um mandato eletivo.
Nessa campanha memorável eu, pela primeira vez, ousava me candidatar a uma vaga de vereador na Câmara Municipal. E, nesse comício do Pontal, falaria para a minha gente, as minhas bases. Tinha de caprichar no discurso: aí me valeram as lições de redação e oratória do velho professor Tandick . Praça lotada, os oradores se sucedendo, o pessoal de apoio à minha campanha organizado com faixas, cartazes e pirulitos contendo mensagens políticas. Quanto chegou a minha vez, “toquei o verbo pra dentro”, falei bonito.
No encerramento da peça de oratória utilizei uma figura de cunho religioso. Recorri ao santo padroeiro que dava nome à praça, São João, e aos padroeiros de Ilhéus: São Jorge, santo guerreiro que simbolizava a luta contra o dragão das iniquidades; São Sebastião, atingido pela flecha, representava os que tombaram na luta pela democracia no Brasil e N.Sra. das Vitórias nos conduziria ao altar da vitória eleitoral em 15 de novembro, com João Lyrio e Jaziel na prefeitura e Abobreira, na Câmara de Vereadores. Foi a apoteose.
Para minha surpresa, terminada a falação e já descendo do palanque, quem encontro? O professor Tandick Resende de Morais, em carne e osso, que se aproximou e exclamou: “Meus parabéns! Excelente discurso!” Retruquei dizendo-lhe que tivera um bom mestre de português. Ele sorriu feliz.
José Henrique Abobreira é auditor da receita estadual e articulista do Blog do Gusmão. Foi vice-prefeito e vereador de Ilhéus.
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